Eduardo Duarte @ 21:17

Qua, 06/01/10

Nos últimos dias a situação meteorológica em Portugal continental foi marcada por depressões muito cavadas (diminuição acentuada da pressão no centro do mecanismo depressionário), localizadas no Atlântico, acompanhadas de sucessivos rosários de superfícies frontais, carregadas de massas de ar bastante húmido, dotadas de grandes quantidades de vapor de água. As referidas condições meteorológicas desencadearam episódios de precipitações muito concentradas e ventos fortes, com rajadas médias de várias dezenas de km/h, chegando a registar-se intensidades na ordem dos 140 km/h, como sucedeu na região do Oeste, no dia 23 de Dezembro.

 Situação sinóptica no Atlântico em 03/01/2010. Fonte: Instituto de Meteorologia.

 

Não só no Oeste, mas, também, um pouco por todo o país, os efeitos destes núcleos depressionários e sucessão de sistemas frontais responsáveis pelo mau tempo que se tem feito sentir, redundaram, inevitavelmente, em inundações de áreas urbanas, desmoronamento de edifícios, assoreamento e destruição de obras hidráulicas, alagamento e devastação de áreas agrícolas, erosão acentuada e movimentos de massa em vertentes, colapso total ou parcial de infra-estruturas de transporte de energia, vias de comunicação e outros bens materiais.

 

Antes de avançar com os impactos do temporal em Monchique, importa conhecer os factores fisiográficos que levaram à ocorrência de alguns episódios de destruição total e/ ou parcial de bens materiais. Nesse sentido, para se ter uma noção dos quantitativos de precipitação que caíram na região de Monchique até à data desta posta, basta referir que entre Outubro de 2009 (mês em que começa o ano hidrológico) e Janeiro de 2010, a estação meteorológica do INAG instalada na Barragem da Bravura registou 82.3 mm de precipitação acumulada, sendo o mês de Dezembro responsável por 73% deste valor. Estes números são elucidativos quanto à concentração da precipitação ocorrida nas últimas semanas, representando um acréscimo de cerca de 50 % comparativamente à precipitação média acumulada em semelhante período na série temporal de 1940/41 a 1997/98 ( dados ainda provisórios, ver pormenorizadamente aqui). 

 

No extremo SE do concelho, na Barragem de Odelouca, cujas obras se encontram em fase de conclusão, a quantidade de água armazenada nos últimos dias, aproxima-se do nível pleno de armazenamento. Neste momento aágua encontra-se na cota 75m, o que superou o estipulado no plano de enchimento da albufeira e obriga os descarregadores de fundo à libertação de uns largos milhares de metros cúbicos de água por dia. (Foto em baixo).

 

  

 

As consequências dos sucessivos dias de mau tempo na Serra de Monchique registadas até ao momento, quedam-se, fundamentalmente, por situações de colmatação de aquedutos e valetas, colapso total ou parcial de pontões e outras passagens hidráulicas (foto em baixo), verificando-se também inúmeros movimentos em vertentes, principalmente junto da rede viária.  Este último tipo de eventos é bastante frequente na Serra de Monchique, em função da vigorosa rugosidade do relevo, e do facto da construção e desenvolvimento das vias de comunicação se processar quase sempre recorrendo à reconfiguração artificial da morfologia do terreno, através de taludes de aterro e escavação, formando novas vertentes de elevado pendor, ou potenciando o declive das vertentes existentes.

 

 

Destruição parcial de pontão no sítio de Cansino, freguesia de Alferce. 

 

As obras de alteração do relevo para implantação da rede viária, são ainda comummente responsáveis, pela alteração dos padrões de drenagem superficial e subterrânea das vertentes, o que em situações de fortes chuvadas e elevado declive, reduz substancialmente os limiares de plasticidade e liquidez dos solos levando à ocorrência de Movimentos de Massa que colocam em causa as condições de segurança e, não raras vezes, a interrupção da circulação, de troços da abrangente rede viária municipal. A título de exemplo cite-se a escoada ou fluxo lamacento ocorrido na madrugada de 4 de Janeiro, no sítio da Foz do Vale, junto à EN 267, na freguesia de Alferce e que se ilustra na foto em baixo.

 

Contudo, na Serra de Monchique, os Movimentos de Massa não se encontram cingidos às vertentes imediatamente contíguas à rede viária. Um estudo preliminar efectuado no âmbito da dissertação de mestrado que me encontro a desenvolver (A ferramenta SIG na modelação da Susceptibilidade, Perigosidade e Risco Geomorfológico em vertentes da serra de Monchique), com recurso a ortofotocartografia e um modelo digital de terreno a 3 dimensões, permitiu o reconhecimento de 331 Movimentos de Vertente, de tipologia, volume, dimensão e data variados, o que perfaz uma densidade total de cerca de 0,8 Km2 no concelho. A sua grande maioria encontra-se fora das imediações da rede viária, porém nem todos foram devidamente validados no terreno (mapa abaixo).

 

 

 

Para grande parte dos investigadores neste tema, a fase de levantamento das ocorrências é um dos principais factores de introdução de incerteza e subjectividade nos modelos, uma vez que o correcto registo de Movimentos ocorridos depende de dois factores: i) experiência do analista; ii) densidade de coberto vegetal na área de estudo, o que torna mais difícil o levantamento de movimentos mais antigos em áreas de elevada densidade de vegetação.

 

Ainda que não seja atreito a pedinchices, gostava de terminar esta posta solicitando a todos os leitores interessados o favor de me informarem sobre a ocorrência de "rombadas" ou "quebradas", nomes pelos quais os Movimentos de Massa em Vertentes são designados em Monchique, de modo a poder tornar a minha base de dados e modelos consequentes, bastante mais robustos e exactos. Para isso basta utilizar a caixa de comentários desta posta ou, alternativamente, o e-mail:

 

elduderino@sapo.pt

 

Os resultados finais da investigação serão oportunamente partilhados convosco, aqui nos escalavardos.

 

Obrigado.



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