Nasci em Monchique em 1945 e lá vivi até 1951. Durante este período, o meu pai, pelo que sei, teve outra profissão, mas eu só tenho a memória de ele ser cabreiro, isto é, guardava um rebanho de cabras.
Algumas vezes o acompanhei, com os animais nas encostas da serra mais perto da vila. Desse tempo, três recordações perduram na minha memória. Uma é de ver o rebanho passar na rua defronte da nossa casa. Morávamos na rua S. Sebastião, na ultima casa do lado direito. A outra, é ver o meu pai a esfolar um cabrito em plena serra, soprando por uma cana de modo a fazer o ar entrar por baixo da pele do animal morto, para a pele se separar com facilidade. Naquele dia, quando ele lançou o cajado a um cabritinho teimoso em voltar ao rebanho, por azar partiu-lhe uma perna. Como um cabrito com perna partida, não pastaria na serra, o melhor foi levá-lo para casa já esfolado e limpo. Depois tenho a recordação de ver o meu pai a fazer o piso de uma eira, com o rebanho. O rebanho andava à roda numa área plana, e de vez em quando mudava o sentido da rotação numa grande confusão de cabras, a terra era molhada de quando em quando, os animais ainda defecavam e urinavam, as centenas de patinhas de cabra, a pisar milhares de vezes, aquela mistura de terra, caganitas, mijo e água, compactaria o solo de tal modo, que depois de seco, equivalia a uma lage de cimento.