«Antigamente, O Largo era o centro do mundo. [...] Era o centro da Vila. Os viajantes apeavam-se da diligência e contavam novidades. Era através do largo que o povo comunicava com o mundo. Também, à falta de notícias, era aì que se inventava alguma coisa que se parecesse com a verdade. O tempo passava, e essa qualquer coisa inventada vinha a ser verdade. Nada a destruía: tinha vindo do Largo. Assim, o Largo era o centro do mundo.
Quem lá dominasse, dominava toda a vila. Os mais inteligentes e sabedores desciam ao Largo e daí instruíam a Vila. Os valentes erguiam-se no meio do Largo e desafiavam a Vila, dobravam-na à sua vontade. Os bêbados riam-se da Vila, cambaleando, estavam-se nas tintas para todo o mundo, quem quisesse que se ralasse, queriam lá saber - cambaleavam e caíam de borco. Caíam ansiados de tristeza no pó branco do Largo. Era o lugar onde os homens se sentiam grandes em tudo o que a vida dava, quer fosse a valentia, ou a inteligência, ou a tristeza.»
In: O Largo, O Fogo e as Cinzas, Manuel da Fonseca.
Quem lê este trecho facilmente conseguirá estabelecer um paralelo e vislumbrar a importância do Largo dos Chorões na vida pública e cosmopolita de Monchique. Um Largo de História, com muitas outras histórias, das inverosímeis, para contar. Em cada uma delas, há um (ou mais) Rocambole extraordinário como protagonista. Gente duma fineza humilde, tão grande como quem nela pensa. Parecido, nos dias de hoje, ainda se encontra isto. Julgo já não ser mau.
Fotografia cedida por Marco Santos. Não me atrevo a fazer-lhe um enquadramento no tempo. Atiro a minha ignorância à arena do desafio ao conhecimento dos leitores que se sintam capazes de dizer a que circunstâncias esta foto se reporta.
ADENDA: Graças ao leitor Armindo Jorge, a quem agradeço pela sua preciosa contribuição esclarecedora e congratulo pelos conteúdos históricos e culturais do Mons Cicus, posso agora fazer a devida contextualização da imagem que ilustra a posta. A fotografia é da autoria de António Maria de Rhodes Sérgio Callapez, antigo chefe de Secretaria na Câmara Municipal e retrata a visita do Almirante Américo Tomaz a Monchique, em Abril de 1968.
Este esclarecimento permite ainda reforçar a importância do Largo dos Chorões enquanto espaço público de vivência, convívio e socialização popular, indo ao encontro das palavras transcritas a Manuel da Fonseca e à descrição do Largo de Santiago do Cacém.
O Largo [dos Chorões] era o centro do Mundo, palanque até para salamaleques a lacaios...
O Programa Nacional para a Política do Ordenamento do Território (PNPOT) vê serem-lhe consagrados na Lei que o enquadra (Lei 54/2007 de 31 de Agosto) poderes na definição das grandes opções com relevância para o território nacional. Sendo o grande chapéu onde se devem enquadrar os restantes instrumentos de gestão territorial, de âmbito Regional (PROT), Municipal (PDM, PU, PP) e Especial (PEOT), esta figura central na política de planeamento e ordenamento territorial português tem, entre os princípios e objectivos definidos, a missão de "Garantir a coesão territorial do País atenuando as assimetrias regionais e garantindo a igualdade de oportunidades" (alínea d do artigo 27º do Dec-Lei 316/2007 de 19 de Setembro).
Entre tantos outros princípios, objectivos e metas definidas no sentido da equidade e coesão territorial, o artigo citado parece-me um dos que mais têm sido ignorados pelos responsáveis pela implementação das orientações estratégicas, regulação e desenho físico dos instrumentos de gestão territorial do país, da região e, como é óbvio e nas mesmas doses, no concelho de Monchique.
Como foi possível observar na resposta à interpelação feita pelo meu grande amigo Bruno Medronho nesta posta, não só a redefinição da REN deverá ser feita com recurso a tecnologias de informação geográfica como a partir de um novo zonamento das condicionantes e das classes de espaços, também suportados pela ferramenta SIG, devem ser empreendidos esforços no sentido de tornar operacionalizável a famigerada igualdade oportunidades no exercício da gestão territorial. Esta igualdade de oportunidades deve estender-se ainda à igualdade de resultados, também no plano prático e com efeitos na ocupação sustentável, definida por critérios de racionalidade, dos espaços rústicos que não estejam submetidos a condicionantes biofísicas e, simultaneamente, não sejam classificados como áreas urbanizáveis.
Ao vincular entidades públicas e privadas às mesmas regras e princípios de utilização do espaço geográfico, o processo de planeamento define as balizas tendentes à igualdade de oportunidades. Porém, será esta premissa suficiente numa região caracterizada por fortes assimetrias intra-regionais, materializadas na famosa dicotomia geográfica Litoral vs. Serra?
A recente adaptação do regulamento do Plano Director Municipal (PDM) por força do processo de revisão do PROTALgarve demonstra como são facilmente passíveis de subversão os princípios de igualdade de oportunidades sobre os quais se devem suportar os intrumentos de gestão territorial. Como se não bastasse extravasar as competências definidas pelo n.º 1 do artigo 51º do Dec-Lei 316/2007, em que os PROT devem apenas servir de referência estratégica e não limitativa na elaboração dos planos directores municipais, o PROTALgarve, ao definir como referência mínima para implantação de novas edificações em solo rural não sujeito a condicionantes, prédios com uma superfície de 5 ha, comporta uma vincada matriz discriminatória, arredada das realidades territoriais locais.
Considerando a referida adaptação do regulamento do PDM a este índice de ocupação (através da alínea a do nº. 3 do art. 26 do capítulo V), bem como a realidade sócio-económica e a estrutura fundiária altamente fragmentada do concelho, marcada pelo minifúndio, é fácil concluir que nem todos podem ter acesso ao mercado imobiliário, num território já de si sobremaneira condicionado.
A igualdade de oportunidades torna-se assim um conceito formal, um substantivo cosmético ambíguo, arruinado pela definição arbitrária de indicadores. Nesta nuvem de opacidade só os mais favorecidos terão reais hipóteses de alcançar mais oportunidades, garantindo assim partido das (poucas) mais valias urbanísticas que existem e podem vir a ser criadas no concelho.
É por isto que, durante a (urgente) revisão do PDM, todos nós devemos participar activamente na defesa dos nossos interesses comuns, enquanto cidadãos e enquanto monchiquenses. É fundamental que este processo se faça segundo mecanismos de negociação enraizados em indicadores de base popular, focados na qualidade de vida e na sustentabilidade de ocupação dos espaços, em detrimento de questões puramente economicistas de índole discricionária.
Porque, e não obstante a "lapalissada", a nossa participação não se deve esgotar no dia em que votamos e nem tão pouco deveremos continuar satisfeitos por esta se limitar à condição de representados nas assembleias de decisão.